RESOLVI REPRODUZIR AQUI UMA ENTREVISTA COM O ESCRITOR SÍLVIO DE ABREU, NA FOLHA DE SÃO PAULO. ACHEI BEM BACANA...
Baixo nível intelectual do telespectador assusta Silvio de Abreu
Por FERNANDA DANNEMANN
A novela "As Filhas da Mãe" acabou em clima de festa, mas com um gosto amargo. Na semana passada, depois de ser homenageado pelo elenco e pelo diretor Jorge Fernando em uma reunião surpresa na casa da atriz Cláudia Raia, o autor Silvio de Abreu disse ao TV Folha que está assustado com o baixo nível intelectual do telespectador brasileiro.
Preocupado com os rumos da televisão no país, ele afirma que pode se voltar para as minisséries, que têm público intelectualizado e menor cobrança em relação à audiência. "A situação está desesperadora para quem quer fazer TV com responsabilidade", diz.
Inicialmente, a previsão era de levar a novela até quando?
Sempre que se começa uma novela não se tem muita idéia do tamanho. Não concordo que ela foi encurtada, porque não estava pronta. A idéia era ir até depois do Carnaval. Disseram que foi uma estratégia para lançar a próxima novela das 19 horas, já que não queriam encavalar duas estréias, a das 18h e a das 19h. Foi uma maneira elegante de dizer que a novela ia sair antes porque não estava dando os índices de audiência esperados.
Existe cobrança quanto ao ibope?
Não há outra maneira de se fazer TV a não ser em função da audiência. Dentro da Globo, que tem público grande e fiel, há até certo conforto de poder contar com uma audiência cativa. Mas os compromissos com os anunciantes são grandes. Tenho a impressão de que quando alguém vai veicular um anúncio, paga de acordo com o ibope do programa. Temos os trilhos de audiência, que são determinados e estão de acordo com a expectativa do cliente que vai veicular anúncios naquele horário. O trilho das 19h é de 35 pontos. Mas, apesar da veiculação ser nacional, o que determina esse trilho é a audiência de São Paulo.
A audiência interfere no processo criativo do autor?
Interfere, porque a gente tem que atingir aquele patamar. Sei que é minha obrigação. Mas, às vezes, a novela não dá grande audiência na estréia -como "Torre de Babel", que assustou o público no começo. Aí, eu deixei de lado a análise psicológica, traí minha idéia original, contei a história em tom folhetinesco, e o povo embarcou na emoção. Mas aquilo me desagradou.
Que impacto a rejeição do público causou em você?
O que me assustou não foi o fato de que o povo não estava gostando da novela, mas sim de que ele não estava entendendo. O que para as classes A e B é estimulante e positivo, para a D é incompreensível: todo o "feedback" que eu tinha de conhecidos era de que a novela era uma maravilha. Quando vi as pesquisas, caí do cavalo. O problema da TV é que quem manda na audiência é uma maioria que só busca entretenimento. Por outro lado, ninguém discute se o programa é ruim. O que interessa é o sucesso, que justifica qualquer coisa. Diante disso, fica difícil falar de qualidade, já que não é isso que as pessoas procuram na TV. Se o Ratinho faz sucesso, as pessoas pensam primeiro no ibope que ele dá. Hoje não se diz que a programação é boa ou ruim. Isso, para nós que fazemos TV com responsabilidade, é desesperador, porque o truque barato é que garante o sucesso. Se eu tivesse direcionado a novela às classes D e E, teria conseguido audiência melhor. O país não permite que o nível intelectual melhore, mas proporciona melhor nível econômico a uma imensidão de gente que se tornou interessante para a TV porque consome sandalinha, biscoito, cerveja e móveis pagos em 538 prestações.
Isso o desanima?
Muito. E me desafia. Eu queria fazer algo mais sofisticado. As pesquisas mostraram que o público não entendia nada da novela. Nem mesmo percebia que era uma comédia. Eles enxergavam como drama. Não sabem o que é Oscar, Hollywood ou transexual, não têm referências, e, mesmo que eu explicasse, continuariam não entendendo. Não há compreensão intelectual, só emocional. Acharam bonita a relação da Ramona (Cláudia Raia) com o Leonardo (Alexandre Borges), mas não entenderam o preconceito dele que impedia o romance.
Você chegou a mudar a história?
Fiquei numa encruzilhada: se direcionasse para a classe D, perderia a classe A e iria descaracterizar o trabalho. Houve conversas para que isso fosse feito, mas me recusei. E houve outro problema: a novela competia com programas policiais e, no segundo dia de veiculação, a filha do Silvio Santos foi sequestrada. O povo não tinha paciência de esperar o "Jornal Nacional" e migrou para outros canais. Achavam que, mesmo que ficassem uma semana sem assistir à novela, continuariam entendendo, como sempre acontece. Depois, veio a Semana da Pátria, época em que, historicamente, a audiência cai. A terceira semana começou bem, mas aí aconteceu o atentado ao WTC. Quando o telespectador se voltou para a novela, não entendeu nada.
Como você vê o seu futuro como autor de novelas?
Não vejo (risos). Acho difícil eu ter entusiasmo para escrever outra novela, porque, de agora em diante, as novelas não permitirão experimentos. Não podemos culpar as emissoras por quererem audiência. Mas, para atingir o povo das classes A a D, vamos ter que agradar à D, que é maior. Esse é o perigo da TV. Ando pensando em escrever minisséries, que têm um índice de cobrança menor. O horário permite audiência mais segmentada e um público de nível intelectual melhor. Não tenho estímulo para fazer novela cheia de chavões. Estamos num momento delicado da TV e precisamos repensar. Vamos ter seminários na Globo para discutir como atingir esse público sem apelar para o populacho.
O erotismo hoje é fundamental?
Tenho um passado pornochancheiro. Mas, quando fui fazer novela, estava cansado desse gênero. Fiz toda a irreverência, grossura e sacanagem em "Mulher Objeto", que tem 18 cenas de sexo. Mas acho que esse tipo de coisa é agressiva na TV. Gosto de estimular o público, mas não quero ser sem-educação e entrar na sala das pessoas mostrando bundas. O explícito faz com que avó e neta fiquem com vergonha uma da outra. O público reclama que a TV é indecente, mas se você não faz cenas de sexo, ninguém assiste sua novela.
"Casa dos Artistas" fez sucesso por ter sido vista como uma novela da vida real. É o fim da novela ficcional?
Quando descobrirem que "Casa..." não foi real, as pessoas vão se desinteressar. Parece que o Supla nunca mais viu a Bárbara Paz. Vão desacreditar daquilo, como aconteceu com o "Big Brother", que já existe em diversos países há mais de dois anos... aqui, está chegando atrasado.
Baixo nível intelectual do telespectador assusta Silvio de Abreu
Por FERNANDA DANNEMANN
A novela "As Filhas da Mãe" acabou em clima de festa, mas com um gosto amargo. Na semana passada, depois de ser homenageado pelo elenco e pelo diretor Jorge Fernando em uma reunião surpresa na casa da atriz Cláudia Raia, o autor Silvio de Abreu disse ao TV Folha que está assustado com o baixo nível intelectual do telespectador brasileiro.
Preocupado com os rumos da televisão no país, ele afirma que pode se voltar para as minisséries, que têm público intelectualizado e menor cobrança em relação à audiência. "A situação está desesperadora para quem quer fazer TV com responsabilidade", diz.
Inicialmente, a previsão era de levar a novela até quando?
Sempre que se começa uma novela não se tem muita idéia do tamanho. Não concordo que ela foi encurtada, porque não estava pronta. A idéia era ir até depois do Carnaval. Disseram que foi uma estratégia para lançar a próxima novela das 19 horas, já que não queriam encavalar duas estréias, a das 18h e a das 19h. Foi uma maneira elegante de dizer que a novela ia sair antes porque não estava dando os índices de audiência esperados.
Existe cobrança quanto ao ibope?
Não há outra maneira de se fazer TV a não ser em função da audiência. Dentro da Globo, que tem público grande e fiel, há até certo conforto de poder contar com uma audiência cativa. Mas os compromissos com os anunciantes são grandes. Tenho a impressão de que quando alguém vai veicular um anúncio, paga de acordo com o ibope do programa. Temos os trilhos de audiência, que são determinados e estão de acordo com a expectativa do cliente que vai veicular anúncios naquele horário. O trilho das 19h é de 35 pontos. Mas, apesar da veiculação ser nacional, o que determina esse trilho é a audiência de São Paulo.
A audiência interfere no processo criativo do autor?
Interfere, porque a gente tem que atingir aquele patamar. Sei que é minha obrigação. Mas, às vezes, a novela não dá grande audiência na estréia -como "Torre de Babel", que assustou o público no começo. Aí, eu deixei de lado a análise psicológica, traí minha idéia original, contei a história em tom folhetinesco, e o povo embarcou na emoção. Mas aquilo me desagradou.
Que impacto a rejeição do público causou em você?
O que me assustou não foi o fato de que o povo não estava gostando da novela, mas sim de que ele não estava entendendo. O que para as classes A e B é estimulante e positivo, para a D é incompreensível: todo o "feedback" que eu tinha de conhecidos era de que a novela era uma maravilha. Quando vi as pesquisas, caí do cavalo. O problema da TV é que quem manda na audiência é uma maioria que só busca entretenimento. Por outro lado, ninguém discute se o programa é ruim. O que interessa é o sucesso, que justifica qualquer coisa. Diante disso, fica difícil falar de qualidade, já que não é isso que as pessoas procuram na TV. Se o Ratinho faz sucesso, as pessoas pensam primeiro no ibope que ele dá. Hoje não se diz que a programação é boa ou ruim. Isso, para nós que fazemos TV com responsabilidade, é desesperador, porque o truque barato é que garante o sucesso. Se eu tivesse direcionado a novela às classes D e E, teria conseguido audiência melhor. O país não permite que o nível intelectual melhore, mas proporciona melhor nível econômico a uma imensidão de gente que se tornou interessante para a TV porque consome sandalinha, biscoito, cerveja e móveis pagos em 538 prestações.
Isso o desanima?
Muito. E me desafia. Eu queria fazer algo mais sofisticado. As pesquisas mostraram que o público não entendia nada da novela. Nem mesmo percebia que era uma comédia. Eles enxergavam como drama. Não sabem o que é Oscar, Hollywood ou transexual, não têm referências, e, mesmo que eu explicasse, continuariam não entendendo. Não há compreensão intelectual, só emocional. Acharam bonita a relação da Ramona (Cláudia Raia) com o Leonardo (Alexandre Borges), mas não entenderam o preconceito dele que impedia o romance.
Você chegou a mudar a história?
Fiquei numa encruzilhada: se direcionasse para a classe D, perderia a classe A e iria descaracterizar o trabalho. Houve conversas para que isso fosse feito, mas me recusei. E houve outro problema: a novela competia com programas policiais e, no segundo dia de veiculação, a filha do Silvio Santos foi sequestrada. O povo não tinha paciência de esperar o "Jornal Nacional" e migrou para outros canais. Achavam que, mesmo que ficassem uma semana sem assistir à novela, continuariam entendendo, como sempre acontece. Depois, veio a Semana da Pátria, época em que, historicamente, a audiência cai. A terceira semana começou bem, mas aí aconteceu o atentado ao WTC. Quando o telespectador se voltou para a novela, não entendeu nada.
Como você vê o seu futuro como autor de novelas?
Não vejo (risos). Acho difícil eu ter entusiasmo para escrever outra novela, porque, de agora em diante, as novelas não permitirão experimentos. Não podemos culpar as emissoras por quererem audiência. Mas, para atingir o povo das classes A a D, vamos ter que agradar à D, que é maior. Esse é o perigo da TV. Ando pensando em escrever minisséries, que têm um índice de cobrança menor. O horário permite audiência mais segmentada e um público de nível intelectual melhor. Não tenho estímulo para fazer novela cheia de chavões. Estamos num momento delicado da TV e precisamos repensar. Vamos ter seminários na Globo para discutir como atingir esse público sem apelar para o populacho.
O erotismo hoje é fundamental?
Tenho um passado pornochancheiro. Mas, quando fui fazer novela, estava cansado desse gênero. Fiz toda a irreverência, grossura e sacanagem em "Mulher Objeto", que tem 18 cenas de sexo. Mas acho que esse tipo de coisa é agressiva na TV. Gosto de estimular o público, mas não quero ser sem-educação e entrar na sala das pessoas mostrando bundas. O explícito faz com que avó e neta fiquem com vergonha uma da outra. O público reclama que a TV é indecente, mas se você não faz cenas de sexo, ninguém assiste sua novela.
"Casa dos Artistas" fez sucesso por ter sido vista como uma novela da vida real. É o fim da novela ficcional?
Quando descobrirem que "Casa..." não foi real, as pessoas vão se desinteressar. Parece que o Supla nunca mais viu a Bárbara Paz. Vão desacreditar daquilo, como aconteceu com o "Big Brother", que já existe em diversos países há mais de dois anos... aqui, está chegando atrasado.
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