Foca (in the Sky with Diamonds)

domingo, maio 04, 2003



Ir ao cinema ou alugar um vídeo e assitir em casa. Todos os dias, milhões de pessoas vão ao em busca de entretenimento, diversão e cultura atráves da sétima arte, seja na tranqüilidade da sua sala de estar ou numa sessão de cinema. O ato de assitir uma produção cinematográfica qualquer neste início de século 21 já virou algo tão corriqueiro que está se banalizando com o tempo. Não precisa ser um sociólogo ou um empresário hollywoodiano para perceber que as pessoas deixaram de assistir os filmes buscando novas experiências, reflexões ou surpresas. Grande parte do público que freqüenta os Cinemarks e GNCs da vida buscam praticamente uma desculpa para sair de casa, ser submetido a uma situação de ação, drama ou comédia, enquanto degustam um balde de pipoca amanteigada com um litro de refrigerante, e esperam a apresentação dos personagens, desenvolvimento da trama, cenas de ação, uma ou duas reviravoltas, clímax e o famoso final feliz. Não sei realmente porque estou enchendo tanta lingüiça. Só parei para pensar em dois dos filmes que assiti nesse feriado: o tão comentado X-Men 2 e o megalodrama Dançando no Escuro.

Estava com uma espécie de sentimento patriótico ao ir até o Xópis assitir a esse verdadeiro evento. É isso aí, os grandes lançamentos não são apenas filmes comuns, são big happenings, daqueles em que já se vende a idéia embutida de que se você não assistir no primeiro final de semana, vai ficar de fora do assunto mais quente nas rodas de amigos de segunda até quinta-feira. Sentimento patrióta porque sempre fui um grande fã das histórias em quadrinhos dos mutantes do tio Stan Lee. O filme é técnicamente perfeito, o roteiro é muito bem elaborado e a lingüagem dos quadrinhos foi levada à perfeição para as telonas. Muito se deve ao diretor, Brian Singer, também leitor de HQs de longa data. O fato da história ser centrada em Wolverine também ajuda muito já que além de ser o personagem preferido dos fãs, é o que se mantém mais fiel ao espírito quadrinístico e é muito bem caracterizado e interpretado (o único que consegue roubar a cena algumas vezes é o Notuno). O fato de X-Men 2 logicamente suceder ao X-Men um também é de grande ajuda, visto que os personagens principais já são conhecidos do grande público, partindo-se então para a ação, logo de cara - sem a necessidade de explicar o que é mutante e o que defendem Magneto e o Professor X. Outro ponto muito interessante e que faz o filme ser ainda mais saboroso é a constatação de que as Leis de Murphy também agem sobre os heróis. Exemplo clássico é a cena em que Tempestade usa seus poderes para impedir que a nave onde os "homens-X" seja atingido por mísseis e o final do filme, que sem estragar a surpresa, deixa uma grande lacuna para uma terceira seqüencia. Enfim, o filme é danado de bom para quem quer um tipo de experiência que inclui pipoca, climax e aventura (alías, o Cinemark tá dando bonés do filme para quem compra pipoca e refrigerante - claro que eu tive que comprar um, né?).

Mas voltando ao assunto do filme como um produto capaz de produzir experiências, nada melhor que Dançando no Escuro, um dos mais belos filmes de todos os tempos, na minha modesta opinião. É claro que não sou expert em cinema. Mas de todas as produções que acompanhei nos últimos...digamos... cinco a dez anos, com certeza é um dos mais expressivos. Te conto que ainda não tinha visto o longa por pura implicância com a protagonista. A cantora-islandesa-que-gosta-de-se-fantasiar-de-cisne Björk. É claro que não há base para se fazer uma comparação, principalmente porque as propostas de cada um são completamente opostas, para públicos diferentes e com uma campanha de marketing massificante para os mutantes da Marvel. Mas Dançando no Escuro tem algo muito além da experiência visual e sonora de X-Men. É um filme produzido com alma e paixão, uma verdadeira homenagem aos antigos musicais de Hollywood. A história é densa, mostra a vida de Selma Jezcova, uma imigrande Checoeslovaca nos EUA, apaixonada por musicais e que tem uma doença que a faz ir perdendo a visão com o passar do ano. E seu filho de 12 anos, Gene, sofre do mesmo mal. Então Selma é obrigada a trabalhar incessantemente para juntar dinheiro e pagar uma operação corretiva no menino, sem que ele saiba. Ela trabalha em uma fábrica de pias e tem o costume de se distrair com os sons que acabam se transformando em música na imaginação de Selma, dando a deixa para as cenas musicais muito bem produzidas, uma verdadeira aula de direção do dinamarquês Lars von Trier. É muito interessante perceber os dois lados da personalidade de Selma - a empregada melancólica que é obrigada a trapacear em testes de visão para continuar trabalhando (com dificuldades) e a diva alegre e sorridente dos musicais de sua imaginação. Um filme que emociona e nos faz diferentes após assití-lo.

Não quero dizer que um filme é superior ao outro. Mas apenas chamar a atenção para não se deixar levar apenas por mega-lançamentos. Filmes lançados fora do circuito trazem um pouco de arte e brilho para essa indústria viciada e conservadora como é a cinematográfica. Até porque o cinema deveria desafiar o expectador e não tornar a história mais fácil e acessível. Bom, mas isso é assunto pra outra hora. Pra quando eu decidir escrever um post sobre Cidade dos Sonhos, a obra-prima mais recente do David Linch.