Foca (in the Sky with Diamonds)

quarta-feira, março 19, 2003

Já que falta assunto, vai aí uma crônica do Mário Prata


O jovem pega um telefone, celular ou normal e, para fazer uma chamada, não tecla nem digita. Ele disca. E ele disca sem pensar porque a palavra é discar e não teclar ou digitar.

É meio difícil explicar para ele que o telefone veio antes do computador. E, mais complicado ainda que, até há bem pouco tempo, os telefones não tinham dígitos. Tinham um disco. Bem no meio. Onde você discava. Era um disco de uns dez centímetros de diâmetro, escandalosamente no meio da coisa. E preto.

Depois, surgiram discos de outras cores. Mas o telefone honesto, autêntico, era preto. Assim como as geladeiras eram brancas. As cuecas, também.

E aquele disco, meu filho, já dizia o Kledir (ou seria o Kleiton?), tinha dez buracos, onde você enfiava o dedo indicador e... discava. Puxava o danado até um ganchinho e depois soltava. E ele fazia brrrrrri. Depois enfiava o dedo noutro buraco e fazia o mesmo procedimento. A vantagem é que os números de telefone não tinham oito dígitos (ou buracos) mas, no máximo, seis. Aliás, em Lins, onde aprendi a discar, quatro buracos eram suficientes. Hoje, para se discar para Nova York, por exemplo, você precisaria enfiar o dedo nada mais nada menos que em 14 buracos. Tinha que se ter uma unha bem aparada no indicador.

Mas não é engraçado? Vão-se os dedos, ficam os dígitos. É claro que os gordos, de obesos dedos, usavam um lápis para discar. Pensando bem, como cada vez os celulares estão menores, acho que os gordinhos continuam a lapisar, no lugar de discar, ou de teclar, ou de digitar.

O mesmo acontece com a viagem de avião. Você, jovem, ainda não percebeu, mas aquela voz metálica do aeroporto te chama para embarcar. E embarcar, para mim, continua sendo entrar no barco e partir. E, desembarcar, sair do barco.

O problema aqui é que, quando inventaram o avião, não pensaram muito bem em que nome dar para a coisa. Deveria ser barco voador. Aí sim, você poderia embarcar. Quase conseguiram, quando chamaram ao engenho de aeronave. Ou seja, um barco aéreo. Mas logo veio um engraçadinho e chamou o troço de avião, ou seja, uma ave grande? Jamais saberemos.

Até hoje, quando entro na sala de embarque, fico a procurar umas redes de pescar por ali, uns anzóis, umas âncoras. Dos velhos navios que embarcavam antigamente, ficaram apenas os saquinhos para vomitar. E há quanto tempo você não vê alguém vomitando numa aeronave?

E la nave va. E quer ver uma coisa mais doida? Você que é profundo conhecedor dos segredos do computador e dos teclados e das internetes, o que é que faz quando entra no computador? Navega. Pensa bem: estava navegando pela internet. Navegando, cara? Você é um internauta? Não preciso explicar o que é nauta, né?

Mas a relação mais forte e mais interessante entre esta coisa moderna e revolucionária chamada computador (quando surgiu era conhecido por cérebro eletrônico) é que quando estamos esperando a máquina fazer alguma traquinagem mais demorada, o que é que aparece na tela? Uma ampulheta. Sabe o que é uma ampulheta? Não é apenas aquele ícone que aparece enquanto o programa está sendo copiado. A ampulheta é o símbolo mais antigo do mundo para designar a passagem de tempo. Resumindo: dentro do seu computador tem uma ampulheta, a mesma que havia na casa do Sócrates e do Platão. Pensava que você era moderno, né?

Agora, quer me irritar, é usar a palavra inicializar. De onde veio isso?

Quem foi o idiota que iniciou isso? É o mesmo que escrever encerralizar.

Como ficou demonstrado, o computador é péssimo de português. Ali nada se apaga (que vem de apagador, uma borracha que se passava em cima das palavras escritas com lápis), ali tudo se deleta.

E outro dia ouvi uma garota dizendo sobre o namorado: deletei o cara! Ou seja, nunca mais vai navegar com ele, nem embarcar num avião e, muito menos, discar o seu celular. E, por falar nisso, por que aquilo sem disco se chama celular?