Foca (in the Sky with Diamonds)

domingo, fevereiro 24, 2002


“Mulheres e homens vivemos uma época de faltas: falta de tempo, de sono, de repouso, de dinheiro, de amor, de convivência, de simplicidade, de natureza, de segurança. Vivemos, em contrapartida, uma época de excessos: excesso de ansiedade, de trabalho, de burocracia, de hostilidade, de monotonia, de pagamentos, de violência, de instabilidade.” (Paulo Mendes Campos)

Possuimos computadores velozes, icq, emails, telefones digitais, celulares, comunicação via satélite, rápida, clara, perfeita-- mas temos cada vez menos com quem conversar. A noite oferece bares, calçadas, restaurantes, prostitutas, cinemas, teatros, boliches, conversa fácil e sexo mais fácil ainda—mas temos cada vez mais dificuldade em querermos estar com alguém. As cidades estão abarrotadas, o trânsito atolado de carros, os prédios transbordando de gente—e somos cada vez mais sozinhos.
A tecnologia nos oferece milhares de oportunidades de usufruir a vida: viagens rápidas, aviões confortáveis, trens balas, fornos elétricos, aparelhos de barbear, máquinas de fazer arroz—e tudo o queremos no final de muitos de nossos dias é ficarmos sozinhos, largados no sofá, sendo lentamente consumidos pelo cansaço dessa vida que deveria nos tornar mais felizes. E, antes do apito do microondas, nos fazemos uma pergunta que desaparece diante do cheiro da comida: “pra quê tudo isso?”; e então nos jogamos de novo para dentro do turbilhão tão inútil quanto incorporado à nós.
O ícone máximo da nossa completa apatia são os realitys shows. Antes de serem vilões, produtos televisivos baratos e medíocres, são um reflexo de nossa vida empurrada com a barriga, do nosso comodismo. Nossa solidão é tamanha que, para termos intimidade com alguém, precisamos da tv. O medo de relacionar-se é tanto, que nos basta assistir o drama e o prazer alheio para nos sentirmos vivos: é mais seguro estar do outro lado da tela. Somos vouyer de nós mesmos por puro medo.


Tirado do blog Neurótica, Mas Honesta